sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Amigos em Portugal 2



Amigos em Portugal 1

Inspiradamente, os The Durutti Column e a Fundação Atlântica forjaram o nome Amigos em Portugal, que bem representa a generosa empatia de sucessivas gerações nacionais com certos músicos. Sem competência para derivações de ordem sociológica, o Jardim lembra alguns que, em determinado momento, tiveram direito a uma naturalização honorária.  


      

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A adrenalina dos Blood Music

A espécie em causa chegou ao Jardim pela mão de um amigo, José João Mendonça, sempre atento às manobras promovidas pelos laboratórios mais esconsos da música urbana. Os Blood Music vivem, praticamente, no anonimato, mas seria injusto passar ao largo da sua descarga de adrenalina, experiência que deve, de preferência, ser vivida no silêncio profundo das horas mais remotas da madrugada.



De Braga, com amor

Os Mão Morta começaram por ser um grupo do Entre-Douro-e-Minho, até que viajaram para Lisboa e, via João Peste/Ama Romanta, se lançam sobre o país. O primeiro LP representa, só por si, um novo arranque do Rock português, afastando-se radicalmente do que acontecera desde 1980. Neles, tudo era diferente: a voz de Adolfo, a vertigem rítmica, a vida no palco, a rugosidade poética e os temas que a sustentavam. Os Mão Morta continuaram até hoje, mas, passados tantos anos, é a espontaneidade à beira do abismo de 1988 que ainda nos deixa trémulos. Voltaremos ao Minho.



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A audácia sónica dos Can

O Jardim está em falta. Quando passou pelo Krautrock, não se deteve nos Can, que – Kraftwerk à parte – são o melhor grupo da história do Pop/Rock alemão. Tago Mago (1971) é comummente o disco mais citado, o que se compreende pela audácia sónica apresentada, mas é através de Future Days, de 1973, que nos chega uma bela experiência sobre os limites da canção Pop, pelos Can ampliada e distorcida muito para além dos canónicos 3 minutos.        



A Pop panteísta de Skylarking

Era já intensa a vida dos XTC antes de Skylarking, como, aliás, continuou a ser depois. Mas, ainda que cercado por uma discografia de indiscutível qualidade, aquele LP é a obra maior de quatro músicos transformados, por um golpe que apetece dizer sobrenatural, em artistas plásticos da causa Pop, pacientes urdidores de uma tapeçaria que começa na bondade do estio e se encerra, na versão em CD de 2001, numa invetiva ao Criador. 





terça-feira, 28 de outubro de 2014

Um OVNI em Nova Iorque

E no meio do caldeirão Punk despenhou-se um OVNI. Chamava-se Suicide e tinha ao comando os destemidos Alan Veja e Martin Rev. Nova Iorque julgava ter já assistido a tudo, mas a segunda metade dos anos 70 trouxe um autêntico vendaval a galope de sintetizadores e caixas de ritmo, maquinaria distante dos impulsos do Punk. E, no entanto, os Suicide eram tão agitadores como os mais empenhados na arte da provocação, como atestam os motins vividos nos seus concertos.



Trinta anos depois 2



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Lou para sempre

Lou Reed morreu há 1 ano. É bom ouvi-lo em qualquer momento, mas hoje trata-se puramente de recordar uma figura a sério do Pop/Rock, uma memória plena de nostalgia acompanhada do profundo lamento de ter desaparecido, cedo de mais, alguém que nos acompanhou grande parte da vida. Um amor para todo o sempre.





Trinta anos depois 1

Stop Making Sense perfaz 30 anos e o tempo volvido apenas confirma o engenho dos Talking Heads na resolução de um problema maior do Pop/Rock: como passar da intimidade do pequeno clube para um palco fixado por milhares de olhos sem que a alma se perca pelo caminho? Os nova-iorquinos conseguiram-no com a mais simples das receitas: privilegiar a música como elemento central de um concerto, sublinhando a irredutibilidade do fator humano – rostos de carne e osso, suor, cumplicidade, comunhão. Em comparação com o aparato pirotécnico dos grandes nomes do negócio da música ao vivo, assenta-se a certeza da imensa virtude dos Talking Heads, dentro e fora do estúdio.



domingo, 26 de outubro de 2014

Um passeio a Oriente 2



Um passeio a Oriente 1

No Jardim continua o Jazz em modo exótico. Llody Miller é um orientalista especializado em música persa e os The Heliocentrics são dos mais destemidos grupos da atualidade. Em boa hora se juntaram para provar ao mundo que a verdadeira pulsão experimental não é um devaneio teimosamente encerrado numa torre de marfim. OST é uma aventura a sério, pois nele congrega o conhecimento científico do Dr. Miller e o corpo polimórfico do grupo londrino, sem que seja possível notar uma grama de pose cerebral ou quaisquer bravatas instrumentais.   



sábado, 25 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 20 (o regresso a casa)

Solta-se o som dos tambores
Os braços como serpentes
Cruzam-se ancas
Soam vozes
Cabelos em revoltilho
O luar cala no fumo
A cabeça a andar à roda
O corpo paira no espaço
Transborda de lua cheia



Máquinas em movimento

A frente cibernética da música urbana continua em plena laboração e os índices de produtividade apresentam-se, como em anos anteriores, bastante altos, embora a prudência obrigue a um controlo de qualidade rigoroso, não vá a quantidade equivocar-se... Um bom exemplo do que vale a pena são os Black Rain, que vivem imersos nas sombras do filme Blade Runner há mais de 20 anos. A sua música move-se como um espesso nevoeiro pela labirinto da grande cidade e ainda que o calor do Sol teime em não aparecer, ninguém se poderá queixar que falta poesia a esta maquinaria em atividade.



sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Jazz no Jardim

Não é por aqui uma espécie endémica, mas, aproximando-se a maior severidade dos meses frios, será bastante útil à disseminação de calor até aos ermos mais afastados do nosso Jardim. Para os fidelíssimos do Jazz, o contributo será nenhum, mas nesta paisagem essencialmente Pop/Rock, sabe bem, numa ou noutra ocasião, substituir a gastronomia costumeira por repastos que têm o espírito como principal ingrediente.   



O Jardim à deriva 19



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

À sombra de Serge

Lembrando os mais relevantes, Serge Gainsbourg já teve direito a um disco compilação de versões das suas canções (Great Jewish Music, de 1997) e a dois LPs de Mick Harvey igualmente repletos de revisões da matéria (Intoxicated Man, de 1995, e Pink Elephants, de 1997), para além de outras gravações dispersas por discos de variada gente. O Jardim recorda hoje o francês por intermédio de um par de devotos, os Luna e o já referido Harvey, provas da perenidade da sua influência.   





Os magos da velha Itália

A partir da semente plantada pelo trompetista Jon Hassell, os italianos Roberto Musci e Giovanni Venosta idealizaram o seu próprio modelo de Quarto Mundo, soberbamente descrito em dois LPs, Water Messages on Desert Sands (1987) e Urban And Tribal Portraits, (1988). Os músicos submeteram os pedaços de mil e uma tradições à tecnologia do estúdio de gravação, produzindo uma síntese em que é difícil assegurar onde acaba o passado e começa o presente, que é como quem diz, onde acaba uma harpa judia do Quirguistão, uma canção de amor do povo Chaqueños, da Argentina, ou uma canção de embalar das Ilhas Salomão e começa um sintetizador, um saxofone ou a programação.





quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 18



O ouro dos Três Tristes Tigres

Se é verdade que o país perdeu a versão extraordinária dos GNR com a saída de Alexandre Soares, também o é que, anos mais tarde, ganhou a sua chegada aos Três Tristes Tigres, grupo que, a partir da cidade do Porto, iluminou a Pop nacional nos anos 90. Numa década muito marcada pela perda da identidade estética que havia sido conquistada, a pulso, a partir de meados dos anos 80 – Rock Rendez-Vous, Dansa do Som, Ama Romanta, Mler Ife Dada, Pop Dell´ Arte, Mão Morta, Ocaso Épico, etc., etc. –, os portuenses não se resignaram, como muitos à época, à mera importação de modelos anglo-saxónicos e souberam cruzar a disponibilidade comunicativa da música Pop com o prazer de experimentar. Os seus três discos estão repletos de delírios poéticos e expressões como hálito reles ou beijem a caveira são ouro do cancioneiro nacional.   





terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 17



Homicidas românticos

O tempo tudo apaga, mas, por vezes, factos outrora notícia de tablóides regressam, irresistíveis, à ordem do dia e teimam em ficar. A cultura de massas é muito hábil a exumar pormenores, projectando-os, poderosamente, para o futuro. Por exemplo, um casal de pistoleiros do tempo da Grande Depressão foi resgatado aos compêndios pelo cinema e pela música, que os devolveram como heróis românticos em busca de um lugar para a sua felicidade. Pelo caminho, Bonnie Parker e Clyde Barrrow cometeram vários homicídios, mas no momento em que a polícia os liquida, é dos amantes que temos sentida pena.





segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 16



A paixão ardente pelos GNR (82-86)

Os GNR terminaram em 1986, ainda que tenham continuado depois disso, mas transformados noutra coisa diferente do grupo que editou quatro LPs entre 1982 e aquele ano. Gravaram, porventura, o mais New Wave dos discos portugueses – Independança – e foram infletindo para uma linguagem mais Pop, que culminou em Psicopátria. Em todos eles, foram exímios manipuladores de música e de poesia tendencialmente poliglota, mas depois saiu Alexandre Soares e tudo se esfumou num ápice. Hoje sabemos o verdadeiro significado das divergências artísticas então publicitadas.







domingo, 19 de outubro de 2014

The West Coast Pop Art Experimental Band

The West Coast Pop Art Experimental Band, um nome que, simultaneamente, revela uma geografia, afirma uma alma Pop e sugere engenho aventureiro. Viveram o tempo do Psicadelismo, mas percebe-se que no seu íntimo pulsavam outros horizontes, que tanto cabiam numa garagem, como aspiravam a um formato mais Pop. Ainda assim, a história regista-os como psicadélicos, se bem que razoavelmente heterodoxos para o pensamento então vigente.



O Jardim à deriva 15



sábado, 18 de outubro de 2014

O mistério de Beth Gibbons

Uma década volvida, foi um regresso algo inesperado com um disco que deu dos Portishead uma outra imagem. Third rasga os limites atmosféricos do Trip Hop, arriscando muscular e sujar a sua música com o recurso a ferramentas de outros tempos: ruído, aceleração Krautrock, sintetizadores, eletrónica vintage. Apesar de estes já não serem propriamente os Portishead de Dummy, a voz de Beth Gibbons assegura que o mistério original permanece intacto e pronto para o futuro, que ninguém sabe quando chegará.



Tão intenso como em 1985

Adjetivada de efémera, a musica Pop/Rock insiste, teimosamente, em lançar raízes na memória e desmentir o preconceito. Pet Sounds, dos The Beach Boys, está quase nos 50 anos e vai continuar por cá muitos mais. Steve McQueen, dos ingleses Prefab Sprout, é, comparativamente, pouco mais do que um petiz, mas há muito que a sua música capturou este Jardim. Sem que alguém possa agitar o fantasma da nostalgia, é, em 2014, um disco capaz de nos devolver o intenso calor registado aquando do encontro original, algures em 1985.









sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 14



Uma espécie de canção de amor

O Pós-Punk foi feito de muitos caminhos e o mais arredio foi o da música Industrial (que, por acaso, até é anterior ao próprio Pós-Punk...), expressão que tem, ciclicamente, rotulado novas vagas de aspirantes ao género. Os ingleses Throbbing Gristle podem, com propriedade, reclamar a sua paternidade, devidamente atestada no nome da sua editora, a Industrial Records. A discografia do grupo é uma longa jornada pelos trilhos mais sinuosos da alma humana, devidamente assistida pela provocação e pelo escândalo. United, de 1978, liberta-se da radicalidade e talvez possa, estranhamente, ser considerada uma canção de amor.



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 13



O combate à contrafação

Já cá esteve a inglesa FKA Twigs, chega agora a canadiana Cold Specks. A ordem é arbitrária, pois ambas revelam a mesma vontade exploratória em desfavor da avidez industrial por pin-ups. Como valor acrescentado, são capazes de utilizar engenhosamente o poder da imagem em telediscos que dispensam, hereticamente, coreografias subjugadas à mera ostentação da carne. Numa palavra, duas ótimas alternativas à muita contrafação vigente.



quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 12



Só restam as memórias

São uma pálida imagem do que foram e, tal como aconteceu com os The Rolling Stones, transformaram-se numa coisa puramente empresarial. Na verdade, é difícil encontrar uma explicação plausível para a contínua degradação dos irlandeses U2 desde o tempo de Achtung Baby e Zooropa, mistério que se adensa consideravelmente quando se recorda como foram então capazes de combinar inventividade com exposição planetária. Talvez a entrada em piloto automático se deva a terem intuído a sua futura vocação como negociantes de toques polifónicos, o que nos deixa, irremediavelmente, a sós com a memória.    





terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 11




O mutante

David Bowie é o mais famoso caso de heteronímia do universo Pop/Rock. Com sucesso variável, o inglês construiu, pela incessante respiração do ar dos tempos, a mais mutante das discografias. Sem grande esforço, os seus discos podem funcionar perfeitamente como um imenso reflexo de boa parte dos últimos 50 anos de música popular. Possivelmente, a palidez do rosto de Bowie encontrou, mais do que em qualquer outro lugar, o seu habitat natural na Berlim do final dos anos 70.



segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 10



Antes da maquinofatura

Os The Rolling Stones são uma empresa de um género muito particular, mas os seus princípios não são, no fundamental, diferentes dos de outras. Por isso, há muito que a sua música foi aprisionada pelo marketing, exatamente como o gosto duvidoso de um refrigerante é maquilhado por doses generosas de publicidade. Para conhecer a fase anterior ao regime de maquinofatura, não é possível viajar menos de 40 anos. Com a devida atenção, é certo encontrar indícios consideráveis de que a história podia ter sido outra.



domingo, 12 de outubro de 2014

O hippie a quem chamaram punk

As capas, tal como as aparências, podem muito bem iludir. Na de Forever Changes (1967), dos Love, de Los Angeles, figura uma composição colorida dos rostos dos seus músicos, desenlace gráfico que se tomaria por mais uma prova do esplendor psicadélico daquele tempo, violentamente encerrado em 1969 no Festival de Altamont – um homicídio durante a atuação dos The Rolling Stones e várias mortes acidentais. Mas para lá da capa, a matéria é outra e Forever Changes não é uma ode alucinada ao verão californiano, mas um disco atravessado pela paranóia e por uma visão cinzenta da natureza humana. O vocalista Arthur Lee autointitulou-se o primeiro hippie negro, embora a sua descrença estivesse bem mais próxima do niilismo proclamado, 10 anos depois, pelo Punk.



O Jardim à deriva 9



sábado, 11 de outubro de 2014

O triunfo do preto e branco

O que teria sido do Pop/Rock sem os The Velvet Underground? O seu primeiro LP (1967) foi o tremendo solavanco que forçou a abertura de uma nova linha de evolução, só alguns anos depois devidamente cartografada. Talvez tão profunda revolução se deva, em primeiro lugar, a uma visão sombria do mundo, contrastando com a cultura Hippie dominante. Por exemplo, em Venus in Furs, a inspiração no escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch afasta, à velocidade da luz, os nova-iorquinos de qualquer fantasia sobre o amor livre, enquanto Heroin não é, óbvia e significativamente, uma canção sobre o consumo do garrido LSD. Era o triunfo do preto e branco sobre a cor.  


         

A liberdade, segundo a Banda do Casaco

Estava a música portuguesa posta em sossego – música de intervenção; escombros do nacional-cançonetismo e antigas figuras do Ié-Ié a ventilar no Festival da Canção; Rock impróprio para consumo; Fado –, quando, em 1974, se deu a Banda do Casaco. Com núcleo em António Pinho e Nuno Rodrigues, por lá passaram dezenas de músicos, que deram ao país uma discografia de puro ouro. E o produto em si? Folk, sarcasmo, piruetas vocais, Rock, doce anarquia, delírios líricos, irreverência sofisticada, Psicadelismo, tudo disposto e organizado a partir da perspetiva de quem faz o pino. Afirmá-la o melhor grupo da história da música portuguesa é a justiça possível.






sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 8



De Chandler a Adamson

Raymond Chandler criou a mais empenhada alma noir na figura do detetive Philip Marlowe, homem bom que aceita habitar no lado errado da vida. Durante os anos 40/50, Hollywood tomou o pulso a estes excluídos da boa economia e inventou um género cinematográfico – o Film Noir – que rendeu umas centenas de filmes. Quando se ouvem os discos de Barry Adamson, acredita-se piamente que o nativo de Manchester poderia, caso tivesse nascido umas décadas antes, ter contribuído preciosamente para o ambiente sonoro deste cinema de perdição.       



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Talvez...

Talvez os Foals não passem de um mero devaneio sobre as memórias dos anos 80. Talvez para isso tenham tomado de empréstimo a voz de Robert Smith, dos The Cure. Talvez a cada disco que passa sejam mais maçadores. Talvez o futuro lhes reserve apenas o lugar mais esconso de uma qualquer nota de rodapé. Mas tantos talvez não chegam para evitar que Big Big Love (Fig. 2), do LP Antidotes, seja uma daquelas canções que, sem autorização prévia, saltam para o nosso aparelho circulatório e teimam em não sair.



O Jardim à deriva 7



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 6



O Jardim à deriva 5



A divindade original

A propósito do aqui foi dito sobre o cinema de Pedro Caldas, o Jardim tem sido interpelado, ainda que de acordo com os mais refinados manuais de civilidade, por causa da referência a Siouxsie Sioux como a divindade gótica primordial, expressão tida por abusiva pelo simples facto de tal singularidade habitar o corpo de Nico. Apesar do louvor à inglesa, o Jardim partilha dos reparos apresentados, adiantando apenas como desculpa a complexidade que subjaz à perfeita compreensão dos intrincados meandros de certos panteões religiosos. A bem da verdade, diga-se que não é fácil conhecer maior negrume: anos a fio assombrada pela morte, para, finalmente, a encontrar enquanto passeava de bicicleta em Ibiza, onde tentava, ironicamente, libertar-se dos excessos de uma vida.



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Os bons ventos do Pós-Punk

Do lado norte-americano, Talking Heads, Liquid Liquid, Konk, ESG, Was (Not Was), Bush Tetras, deste lado do Atlântico, A Certain Ratio, The Slits, 23 Skidoo, Maximum Joy, This Heat ou The Flying Lizards, uma pequeníssima amostra das muitas figuras do Pós-Punk. Os Estados Unidos e a Inglaterra tiveram os seus particularismos, mas ambos experimentaram profundamente a mais fantástica contaminação – cultural, estética, humana – de toda a vida do Pop/Rock. Agora, o Jardim estaciona no Velho Continente, mas fica garantida uma sementeira alargada sobre a época.



O Jardim à deriva 4



domingo, 5 de outubro de 2014

O Jardim à deriva 3



O Jardim à deriva 2



O Jardim à deriva 1

O Jardim parte hoje sem destino certo e sem data de regresso marcada. Viajará por onde calhar, saltitando, erraticamente, da frescura para a aridez, do frio para o calor, da cidade para o campo, da eletricidade para a luz da vela, da sofisticação tecnológica para a ancestralidade, da velha Terra para o espaço infinito… No regresso, carregará na bagagem novas e preciosas espécies para os seus canteiros, que estremecem, ansiosos, pela comunhão com a geografia mais invulgar.



sábado, 4 de outubro de 2014

O génio tardio

Charles Bradley é a personagem principal de um conto de fadas virado do avesso. Nascido em 1948, demorou mais de 60 anos para editar o primeiro LP, No Time for Dreaming. Possível recorde à parte, não haverá muitos exemplos de tamanho desperdício de uma voz capaz de fazer dos recantos da alma o combustível primordial das suas canções. Felizmente, ainda chegou a tempo para deixar o mundo assombrado com o seu desmedido talento.



sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O passado à mão de semear

Os músicos da era digital chegam, num ápice, a qualquer ponto do universo Pop/Rock e tornam triviais os tesouros mais ou menos escondidos da época analógica. Os velhos procedimentos anteriores ao advento da internet – lenta disseminação de discos e tendências; leitura de crítica musical em papel; gestão angustiada dos parcos recursos para comprar discos – parecem hoje um assunto museológico, enquanto, à beira de um teclado, é possível simular o conhecimento do passado. Por isso, existem grupos como Fujiya & Miyagi, que fazem uso da motorik dos Neu! de forma tão natural como enchem os pulmões.




Proto-teledisco

Muito antes da invenção do teledisco – um engenhoso ajustamento do sentido da audição a um mundo cativo da força das imagens –, já o cinema fora capaz de dar um forte sentido plástico à combinação entre música e imagem nos genéricos dos seus filmes. Não se tratava apenas de sonorizar, como acontecia desde os finais dos anos 20, a apresentação do elenco e da ficha técnica, mas sim de recriar uma determinada atmosfera. Graças ao seu valor artístico, alguns ganharam vida própria. Os casos empreendidos pelo triângulo Hitchcock, Herrmann, Bass serão, porventura, insuperáveis.



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O ar que respiramos

No lugar mais sagrado do nosso Jardim estão inscritos aqueles que se libertaram dos limites da sua carne e se fundiram com o oxigénio que respiramos. Por isso, Cantigas do Maio e Por Este Rio Acima já não pertencem exatamente aos seus autores, José Afonso e Fausto Bordalo Dias. O primeiro é uma visão, registada a partir do exílio, do destino do povo português, 9 canções entrelaçadas numa imensa tela musical tão ciosa das suas raízes, como capaz de subtis audácias sónicas. Quando chegar a hora de Portugal enviar uma sonda para o espaço, Cantigas do Maio viajará em classe executiva. Ao seu lado irá certamente Por Este Rio Acima, que ao fazer a crónica da outra face do encontro de culturas empreendido pelos portugueses na Ásia durante o século XVI, acaba por desenhar um vívido retrato dos mil e um desvarios que o coração dos homens encerra.





Uma justa popularidade

Os londrinos The xx têm a rara virtude da consensualidade. Partiram do que se chama música independente – expressão de significado cada vez mais obscuro – e rapidamente conquistaram um espaço de relevo no centro. O grupo convoca, com distinção, momentos específicos do Pop/Rock: visualmente, recupera a tendência existencialista da primeira metade dos anos 80, como facilmente se verifica nos seus telediscos; quanto à música, combina uma ideia instrumental espartana com um lirismo melancólico, que nos chega por vozes que cantam como se murmurassem na intimidade.



quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A nobre descendência dos Young Marble Giants

Não esquecidos, mas apenas à espera deste outono solar para se mostrarem, os The Gist foram a mais ilustre descendência dos gloriosos Young Marble Giants. Igualmente fugazes, afastaram-se razoavelmente da ideia de canção minimalista criada pelos seus progenitores e desenvolveram organismos com raízes mais fundas nas convenções da música Pop (arranjos + refrões = adesão emocional), mas, graças aos seus bons genes, a anos-luz do que a indústria pretende que circule como mercadoria. Merecem, plenamente, uma dose reforçada.