sábado, 30 de agosto de 2014

O que resta do Verão

Agora que o ocaso do Verão é, cada minuto que passa, uma sombra mais ameaçadora, só nos resta o usufruto do momento, do instante prestes a esfumar-se. Venderíamos de bom grado a alma para que o tempo se quedasse, indefinidamente, nas horas de luz e felicidade, mas o comércio de almas já conheceu melhores dias. Talvez só nos reste a magia da música para dar corpo à ilusão de um Estio sem fim. Hollie Cook – filha de Paul Cook, baterista dos Sex Pistols – oferece-nos o cenário ideal para que a nossa fantasia de noites quentes e despreocupadas triunfe, ainda que momentaneamente, sobre a realidade.   



Versões há muitas 3






Cometas

A música e o cinema não se medem aos palmos, mesmo que muitos o jurem. Sabemos que as carreiras certinhas são o alimento preferido da indústria, mas certos cometas são capazes de, na sua singularidade, deixar um rasto duradouro, ou, se assim preferirem os mais empenhados no significado profundo das palavras, eterno. Charles Laughton, ótimo ator britânico, tomou, por uma única vez, posição atrás da câmara e ofereceu ao mundo A Sombra do Caçador (1955), com o corpo vagaroso de Robert Mitchum a figurar o papão de dois órfãos em fuga. Na longevidade centenária do cinema, é seguro afirmar que nada se assemelha.

Os Young Marble Giants eram de Cardiff e o seu único LP, Colossal Youth (1980), foi outro clarão a retalhar o escuro da noite. A sua Pop descarnada, quase só pele e osso, parece sempre à beira da falência cardíaca, mas o edifício de miniaturas, mais aparentadas a simples apontamentos e esboços do que as canções prontas a servir, não cede. Ignora-se como seria o futuro dos YMG, mas a desagregação acabou por garantir a Colossal Youth a sua suprema particularidade, em parte cedida aos sucessores The Gist, matéria prometida para outro dia.  





sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Versões há muitas 2





Versões há muitas 1

Subservientes ou transgressoras, demasiado zelosas da integridade original ou habitadas por uma pulsão transformadora, a verdade é que há versões para todos os paladares. As melhores – ou, nalguns casos, as que beneficiam de um favor público inesperado – podem mesmo ganhar vida própria, obscurecendo os criadores primitivos. Nos exemplos mais radicais, algumas até passam a matriz, como Hey Joe, que não sendo originalmente de Jimi Hendrix, é como se lhe pertencesse. Ainda que não disponhamos de fórmulas seguras, talvez a imponderabilidade possa ser o melhor trunfo no desenho de uma versão. O Corpo Diplomático sabia-o perfeitamente quando reviu Engrenagem, de José Mário Branco.






terça-feira, 26 de agosto de 2014

Kendrick Lamar, do gueto para a poesia

Como tantos outros do Hip Hop, Kendrick Lamar também vem de Compton, Los Angeles, mas não posa, como prescreve a cartilha, feito pistoleiro com pretensões a estrela de Hollywood. Quase como um paradoxo, o segredo está em não deixar de ser o que é – a rudeza da linguagem e o imaginário de um quotidiano violento comparecem –, só que Lamar sabe repartir sabiamente as palavras pela música, afastando-se da tendência panfletária debitada maquinal e exaustivamente por companheiros do estilo: o sexo feminino equiparado a mera carne, carros, joias, armas, cadáveres de inimigos abatidos... Com o seu sentido estético, Lamar empresta ao linguajar de rua uma rara nobreza poética.  



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O Quarto Mundo, pelo profeta Jon Hassell

Segundo o trompetista norte-americano Jon Hassell, não há mundo como o quarto, lugar onde o aparato tecnológico não desdenha da sabedoria do passado. Na companhia de Brian Eno, gravou o LP Fourth World Vol 1 - Possible Musics (1980), semente de um novo ambientalismo que frutificaria à margem dos grandes acontecimentos da música. Com base inicial em Nottingham, Andrew Hulme e os seus O Yuki Conjugate abraçaram os ensinamentos da causa, que, por exemplo, foi igualmente registada pelo mexicano Jorge Reyes. Com maior ou menor grau de mestria, todos preferem sonhar com um mundo privado de contrariedades geostratégicas. 







domingo, 24 de agosto de 2014

A Desaparecida

Muito nos entristece a raridade editorial de Né Ladeiras, uma voz que se espalha por pouquíssimos discos num percurso, integrada em grupos ou a solo, com mais de 30 anos. À falta de novos acontecimentos, voltamos a três provas irrefutáveis do seu magnetismo. Primeiro, em 1980, com a Banda do Casaco; volvidos 2 anos, na estreia a solo para a Valentim de Carvalho, contando com os poemas de Miguel Esteves Cardoso e a ajuda dos Heróis do Mar; finalmente, e pela mão de Nuno Rodrigues, então na editora Transmédia, recordamos Corsária, LP de 1988 dedicado à atriz sueca Greta Garbo. Sirva então isto de algum consolo para as almas carentes da portuense. 







sábado, 23 de agosto de 2014

A memória de António Sérgio 7



A memória de António Sérgio 6



A memória de António Sérgio 5



A memória de António Sérgio 4



A memória de António Sérgio 3



A memória de António Sérgio 2



A memória de António Sérgio 1



No princípio era o Verbo, trazido pela voz do António Sérgio

Hoje parece um facto proveniente do Neolítico, mas há 30 anos as tardes estavam repletas de música. Ao contrário do que reza a lenda noturna, António Sérgio foi muito mais importante quando o seu Som da Frente era seguido com avidez por miúdos de 13, 14 ou 15 anos, que ouviam ritualmente as tardes da Rádio Comercial. Hoje soa a impossível, mas muitos recordam que se falava de música nos intervalos das aulas do 3º ciclo: Wire, XTC, Sétima Legião, Philip Boa and the Voodoo Club, The Felt, Half Man Half Biscuit, Pop Dell´ Arte, That Petrol Emotion, enfim, muitos nomes que ecoavam quase triviais enquanto se engolia uma sandes de mortadela. Se não fosse o António Sérgio, tudo seria diferente. E, seguramente, bastante pior.