O Jardim de Inverno dos Nibelungos é uma fanzine online e não pretende mais do que fazer a crónica de um mundo onde o exílio é voluntário. Sejam bem-vindos.
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
O que resta do Verão
Agora que o ocaso do Verão é, cada minuto que passa, uma sombra mais ameaçadora, só nos resta o
usufruto do momento, do instante prestes a esfumar-se. Venderíamos de bom grado
a alma para que o tempo se quedasse, indefinidamente, nas horas de luz e
felicidade, mas o comércio de almas já conheceu melhores dias. Talvez só nos
reste a magia da música para dar corpo à ilusão de um Estio sem fim. Hollie Cook
– filha de Paul Cook, baterista dos Sex Pistols – oferece-nos o cenário ideal
para que a nossa fantasia de noites quentes e despreocupadas triunfe, ainda que
momentaneamente, sobre a realidade.
Cometas
A música e o cinema não
se medem aos palmos, mesmo que muitos o jurem. Sabemos que as carreiras
certinhas são o alimento preferido da indústria, mas certos cometas são capazes
de, na sua singularidade, deixar um rasto duradouro, ou, se assim preferirem os
mais empenhados no significado profundo das palavras, eterno. Charles Laughton,
ótimo ator britânico, tomou, por uma única vez, posição atrás da câmara e
ofereceu ao mundo A Sombra do Caçador (1955), com o corpo vagaroso de Robert
Mitchum a figurar o papão de dois órfãos em fuga. Na longevidade centenária do
cinema, é seguro afirmar que nada se assemelha.
Os Young Marble Giants
eram de Cardiff e o seu único LP, Colossal Youth (1980), foi outro clarão a
retalhar o escuro da noite. A sua Pop descarnada, quase só pele e osso, parece
sempre à beira da falência cardíaca, mas o edifício de miniaturas, mais
aparentadas a simples apontamentos e esboços do que as canções prontas a servir,
não cede. Ignora-se como seria o futuro dos YMG, mas a desagregação acabou por
garantir a Colossal Youth a sua suprema particularidade, em parte cedida aos
sucessores The Gist, matéria prometida para outro dia.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Versões há muitas 1
Subservientes ou
transgressoras, demasiado zelosas da integridade original ou habitadas por uma
pulsão transformadora, a verdade é que há versões para todos os paladares. As melhores
– ou, nalguns casos, as que beneficiam de um favor público inesperado – podem
mesmo ganhar vida própria, obscurecendo os criadores primitivos. Nos exemplos
mais radicais, algumas até passam a matriz, como Hey Joe, que não sendo
originalmente de Jimi Hendrix, é como se lhe pertencesse. Ainda que não
disponhamos de fórmulas seguras, talvez a imponderabilidade possa ser o melhor
trunfo no desenho de uma versão. O Corpo Diplomático sabia-o perfeitamente
quando reviu Engrenagem, de José Mário Branco.
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Kendrick Lamar, do gueto para a poesia
Como tantos outros do
Hip Hop, Kendrick Lamar também vem de Compton, Los Angeles, mas não posa, como
prescreve a cartilha, feito pistoleiro com pretensões a estrela de Hollywood. Quase
como um paradoxo, o segredo está em não deixar de ser o que é – a rudeza da
linguagem e o imaginário de um quotidiano violento comparecem –, só que Lamar
sabe repartir sabiamente as palavras pela música, afastando-se da tendência
panfletária debitada maquinal e exaustivamente por companheiros do estilo: o
sexo feminino equiparado a mera carne, carros, joias, armas, cadáveres de
inimigos abatidos... Com o seu sentido estético, Lamar empresta ao linguajar de
rua uma rara nobreza poética.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
O Quarto Mundo, pelo profeta Jon Hassell
Segundo o trompetista
norte-americano Jon Hassell, não há mundo como o quarto, lugar onde o aparato
tecnológico não desdenha da sabedoria do passado. Na companhia de Brian Eno,
gravou o LP Fourth World Vol 1 - Possible Musics (1980), semente de um novo ambientalismo
que frutificaria à margem dos grandes acontecimentos da música. Com base
inicial em Nottingham, Andrew Hulme e os seus O Yuki Conjugate abraçaram os
ensinamentos da causa, que, por exemplo, foi igualmente registada pelo mexicano
Jorge Reyes. Com maior ou menor grau de mestria, todos preferem sonhar com um
mundo privado de contrariedades geostratégicas.
domingo, 24 de agosto de 2014
A Desaparecida
Muito nos entristece a
raridade editorial de Né Ladeiras, uma voz que se espalha por pouquíssimos
discos num percurso, integrada em grupos ou a solo, com mais de 30 anos. À
falta de novos acontecimentos, voltamos a três provas irrefutáveis do seu
magnetismo. Primeiro, em 1980, com a Banda do Casaco; volvidos 2 anos, na
estreia a solo para a Valentim de Carvalho, contando com os poemas de Miguel
Esteves Cardoso e a ajuda dos Heróis do Mar; finalmente, e pela mão
de Nuno Rodrigues, então na editora Transmédia, recordamos Corsária, LP de 1988
dedicado à atriz sueca Greta Garbo. Sirva então isto de algum consolo para as
almas carentes da portuense.
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sábado, 23 de agosto de 2014
No princípio era o Verbo, trazido pela voz do António Sérgio
Hoje parece um facto proveniente do
Neolítico, mas há 30 anos as tardes estavam repletas de música. Ao contrário do
que reza a lenda noturna, António Sérgio foi muito mais importante quando o seu
Som da Frente era seguido com avidez por miúdos de 13, 14 ou 15 anos, que
ouviam ritualmente as tardes da Rádio Comercial. Hoje soa a impossível, mas
muitos recordam que se falava de música nos intervalos das aulas do 3º ciclo:
Wire, XTC, Sétima Legião, Philip Boa and the Voodoo Club, The Felt, Half Man
Half Biscuit, Pop Dell´ Arte, That Petrol Emotion, enfim, muitos nomes que
ecoavam quase triviais enquanto se engolia uma sandes de mortadela. Se não
fosse o António Sérgio, tudo seria diferente. E, seguramente, bastante
pior.
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