sábado, 31 de janeiro de 2015

Amazing Grace (Jones) 1

Manequim, atriz, cantora, figura alienígena da música Pop dos anos 80, Grace Jones é o feliz ponto de encontro entre o exotismo caribenho e as potencialidades da tecnologia ocidental. Em Nightclubbing (1981), a jamaicana é a chama que ilumina cada recanto oculto na escuridão, como clarões que plantam a luz nas profundezas da cidade. Recordemo-la devidamente.



O sonho químico dos The Byrds

Em 1967, os nova-iorquinos The Velvet Underground graduavam-se, com distinção, em piromania de almas, enquanto os The Byrds, de Los Angeles, se dedicavam à gravação de uma miniatura pastoral, Renaissance Fair, do LP Younger Than Yesterday. São muitas as diferenças, mas o nosso Jardim não pode passar sem a tempestade de uns, nem estar longe do recato dos outros.



quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Antes de Skylarking 1

Antes da obra monumental – Skylarking, 1986 –, os XTC haviam já gravado ótimos discos, que ocuparam um lugar visível na New Wave do Reino Unido, embora sem a predominância de outros com maior impacto geracional. Na verdade, talvez esta discrição fosse já o sinal de que o futuro maior da sua música estaria numa melancólica viagem por entre as cores da vida e da morte. Poucos chegaram tão longe com tão apurada maturidade.



Join the undefeated

Mark Stewart é um veterano do Pós-Punk britânico, que nunca deixou de fazer das questões políticas e sociais a matéria-prima da sua música. Mais de trinta anos depois, ressuscita os seus The Pop Group e apresta-se para trazer à luz do dia um novo disco, Citizen Zombie. Serve então isto de ótimo pretexto para regressar a Where There´s a Will There´s a Way, metade de um single gravado a meias com as The Slits em 1980.



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A nossa querida Inga 2



A injustiça, segundo Curtis Mayfield

Antes que a música comece a tocar, é a capa, em ligação essencial ao título, There´s no place like America Today (1975), que sintetiza o estado de um país flagelado pela iniquidade. Pelo engenho gráfico, Curtis Mayfield tem a coragem de mostrar que na terra das oportunidades, muitos estão demasiado ocupados com a mera sobrevivência, sem tempo para dormirem ao compasso do sonho americano.



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Peter Astor contra o Acid House

Estava a música inglesa em processo de transfiguração eletrónica, quando os The Weather Prophets navegaram em sentido inverso com o LP Mayflower, de 1987. Sopravam então os ventos do Acid House, mas o grupo persistia na ideia da harmonia Pop, sem que tal se confundisse com réplica nostálgica dos anos 60. Almost Prayed é um possível resumo da tremenda arte de Peter Astor.



A nossa querida Inga 1

Entre a multidão absurda de discos semanalmente editados, alguns nomes acabam por despontar e ficar, enquanto a maioria vive inconsistentemente. A implosão da indústria e o fácil acesso aos meios de produção, divulgação e distribuição provocaram a formação de um imenso território subterrâneo, no qual muito se suspira pela condição de músico. Inga Copeland consegue iludir este mundo mais ou menos evanescente e vai construindo um percurso. O nosso Jardim apoia-o incondicionalmente.


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domingo, 25 de janeiro de 2015

O som único dos Rockers Hi-Fi 3



O irmão mais novo dos Fila Brazillia

O grupo The Solid Doctor é o irmão mais novo dos Fila Brazillia, partilhando, como em qualquer família, o património genético com os que chegaram primeiro, ao mesmo tempo que reclama a sua individualidade. De qualquer modo, os The Solid Doctor viveram menos tempo, mas reiteraram a velha ideia de deixar um belo corpo, sem quaisquer sinais de corrupção.



sábado, 24 de janeiro de 2015

O som único dos Rockers Hi-Fi 2



Polly versus Thom

Em 2000, uma das melhores cantoras dos últimos vinte anos juntava-se à voz dos sobrevalorizados Radiohead e alinhavavam uma espécie de dueto em This Mess We´re In, no qual PJ Harvey e Thom Yorke se envolvem num atoleiro de desejo sem esperança de futuro. O notório sofrimento que atravessa a canção reparte-se entre o tom dramático de Yorke e o distanciamento da nossa querida Polly Jean.



sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O som único dos Rockers Hi-Fi 1

Continua o nosso Jardim em busca de um passado mais ou menos esquecido, mas capaz de se erguer bem alto no presente. Os nativos de Birmingham Rockers Hi-Fi gravaram música que só pôde, à época, ser descrita pela justaposição de vários géneros, o que, na verdade, nunca chegou para aclarar devidamente a capacidade do grupo em conferir sentido a uma multidão de estímulos. É um caso típico em que a explicação reside primordialmente na música em si.



À descoberta de Laurent Pernice 3



quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Para lá das estrelas 3



Noite dentro com Hamilton Leithauser

Começa o novo ano sob a poderosa hipnose de uma canção, que se apossou, inesperadamente, do nosso discernimento. The Silent Orchestra, de Hamilton Leithauser, que era a voz dos extintos The Walkmen, passa-nos pelo corpo e deixa um travo de prazer que se assemelha a uma doce embriaguez que avança, lentamente, noite dentro.



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O último disco de Ian Curtis 1

Reza a história que The Idiot (1977), de Iggy Pop, foi o último disco tocado por Ian Curtis naquele fatídico dia de maio de 1980. Para além da sua virtude musical, é também por via da tragédia que o LP do endiabrado norte-americano entrou para a mitologia do Pop/Rock. Por saber ficará sempre porque foi este e não qualquer outro o escolhido.



À descoberta de Laurent Pernice 2



terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Os esquecidos The Band of Holy Joy 3



À descoberta de Laurent Pernice 1

Laurent Pernice pouco dirá à esmagadora maioria dos amigos que, num gesto de enorme simpatia, vão passando pelo nosso Jardim. É normal que assim seja: Laurent é francês e militou sempre na obscuridade, primeiro no Rock áspero dos Nox, depois em modo solitário. Em 1988 gravou o LP Détails, que pertence à fação mais marginal e sombria do imaginário Quarto Mundo. O tumulto sensorial a bordo de Détails merece que o arranquemos, ainda que momentaneamente, ao esquecimento.



domingo, 18 de janeiro de 2015

Tristan Tzara em Cascais 7



Os filhos diletos de Goethe

O Krautrock é uma presença querida em todos os recantos do nosso Jardim e, por isso, regressamos à sua vertigem criativa, desta vez com os Faust. Mais radicais dos que os contemporâneos Can, gravaram música intimamente ligada à imprevisibilidade das placas tectónicas e influenciaram decididamente as correntes mais experimentais do período subsequente ao Punk. O LP So Far é de 1972.





sábado, 17 de janeiro de 2015

Um universo chamado Bjork 7



Os esquecidos The Band of Holy Joy 1

O Jardim sofre com o tratamento de polé a alguns reservado. De entre os esquecidos, poucos o são tão imerecidamente como o grupo The Band of Holy Joy, cujos discos mais antigos pouco chegaram à edição em CD. Queixas registadas, resta a música que nos impele ao auto-exílio a bordo de um navio eternamente errando de porto em porto, como se a verdadeira vida estivesse para lá do horizonte, longe das prisões que os homens, empenhadamente, continuam a erguer.



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Uma sombra no deserto 3



No tempo dos Fila Brazillia

Salvaguardadas as distâncias, foram (quase) um grupo da moda. Apoiados pela imprensa nacional, os discos dos ingleses Fila Brazillia esgotavam em Lisboa num ápice. Depois, a fórmula secreta banalizou-se e o entusiasmo contraiu-se até chegar ao abandono. Mas as espécies do nosso Jardim não esquecem que Maim Than Tune, de 1995, é um caso maior da eletrónica em estado de graça.



quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

As exéquias dos Joy Division 1

Há discos que começam pela capa, outros pelo nome, mas Power, Corruption & Lies (1983), dos New Order, consegue fazer o pleno antes da música soar. Depois de um primeiro LP ainda assombrado pelo fim dos Joy Division, é em Power, Corruption & Lies que vai, definitivamente, a sepultar a memória musical de Ian Curtis, numa cerimónia devidamente oficiada por um sintetizador todo-poderoso. Terminava assim o luto de uma terrível perda.



Tristan Tzara em Cascais 6



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Para lá das estrelas 2



Kangaroo, segundo os This Mortal Coil

Chega então a vez da versão de Kangaroo – original dos Big Star –, que os This Mortal Coil transformaram numa peça icónica dos anos 80, exatamente como foi desejado por Ivo Watts-Russell, o mentor de uma ideia sónica para uma década de música Pop/Rock. O veículo utilizado foi a editora 4AD, que acabou por sobreviver para além do prazo que lhe estava destinado e é, ainda hoje, uma força relevante no mundo às avessas da edição discográfica.



domingo, 11 de janeiro de 2015

Eletrónica vintage

Na tortuosa caminhada da Humanidade há momentos que, pela sua absoluta originalidade, tudo transformam. Na literatura Lautréamont escreveu como ninguém o fizera antes, ou, no plano histórico, após o Holocausto os homens tomaram, finalmente, consciência de que não são apenas filhos de Deus. A música não foge a esta regra do facto singular revestido de virtude transfiguradora. Por exemplo, Louis e Bebe Barron estariam longe de imaginar que a sua partitura para o filme O Planeta Proibido (1956) se transformaria num marco essencial da música eletrónica, dezenas de anos antes do tempo da informática para todos.





A parentela dos Wire 6



sábado, 10 de janeiro de 2015

Para lá das estrelas 1

No final de 2014, o Jardim catalogou uma nova espécie de aparente proveniência alienígena, Shinichi Atobe, que nos chegou pelo sábio conselho do cientista José João Mendonça, um amigo cá da casa. No meio da perplexidade que a sua escuta levanta, há quem sustente que a música de Atobe é, na realidade, um mapa sónico para viajar até galáxias longínquas. Alguém faça então o favor de o decifrar.



A intuição de Pasolini

No final da sua vida, Pier Paolo Pasolini escreveu sobre os perigos que pairavam sobre a liberdade e a diversidade, teorizando sobre a ascensão de um novo fascismo fundado na promoção da ignorância e da indiferença. O violento desaparecimento do italiano em novembro de 1975 calou uma voz dissonante, mas a rápida aceleração das sociedades de consumo deu-lhe uma sombria razão. Hoje, a sua figura reaparece em Pasolini, de Abel Ferrara, enquanto o Jardim recorda dois momentos de há mais de vinte e cinco anos com a marca do seu pensamento e da sua morte.






quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O mistério de Campo de Ourique

Intermitentemente, os Pop Dell´ Arte continuam, desde há trinta anos, a emitir a partir do seu laboratório secreto. Quando começaram, eram – praticamente – almas gémeas dos Mler Ife Dada, que dependiam de uma direção bicéfala constituída por Nuno Rebelo e Anabela Duarte, cuja separação artística fez implodir o grupo. Ao invés, os Pop Dell´ Arte assentam em João Peste, que foi sempre o dínamo essencial de um mistério sem comparação em toda a história da música Pop/Rock nacional.



O culto aos Big Star

Kangaroo talvez seja mais reconhecido na forma que lhe foi dada pelos britânicos This Mortal Coil, grupo oriundo do empenho de Ivo Watts-Russell, patrão da editora 4AD, mas o original tem uma proveniência bastante diferente, os norte-americanos Big Star. Quase desconhecidos nos anos 70, acabaram resgatados por gente do Pop/Rock da década seguinte, R.E.M. e The Dream Syndicate à cabeça. Fica agora o original, segue um destes dias a versão.



quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A desesperança de John Cale

Presente em The Velvet Underground & Nico, de 1967, mas imediatamente expulso dos nova-iorquinos no ano seguinte, o galês John Cale tem construído um percurso com epicentro no Rock, mas disperso por áreas mais marginais da música popular. Colaborou com dezenas de nomes e produziu outros tantos, mas talvez tenha tido o seu melhor momento em 1982 quando editou Music for a New Society, um disco que faz do desastre e da dor as suas principais matérias-primas e apresenta um roteiro de desesperança pura e dura para um mundo à beira do abismo.



Uma sombra no deserto 2



segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Saídos das cavernas 1

Em meados dos anos 80, estava a música britânica mais ou menos entretida a mimar a inimitável pose dos The Smiths, quando de uma caverna de East Kilbride, Glasgow, saíram os The Jesus & Mary Chain, que com o primeiro LP, Psychocandy, explicaram, inspiradamente, como fazer música a partir de algodão doce e arame farpado. Falharam o título de melhor disco Rock dos anos 80, porque Evol, dos Sonic Youth, não é deste mundo.



A voz do Algueirão 6



domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma sombra no deserto 1

Não será, de certo, um assunto de Estado, mas tem tido os condimentos suficientes para dar lastro a uma pequena polémica que muitos tomam por geracional. Por aqui, a afirmação é cristalina: nunca houve, durante os anos 60, verdadeiro Rock em Portugal, mas sim um simulacro dos ventos que sopravam do eixo anglo-americano e de França. A originalidade era quase nula, copiava-se mal, faziam-se versões rudimentares e ensaiava-se uma pose que não assentava bem. O inverso a esta apatia criativa rareava tanto como a sombra num deserto, mas entre tão grande desolação gravou a Filarmónica Fraude, gente que teve a argúcia de olhar mais para dentro do que para fora.



Tristan Tzara em Cascais 3



sábado, 3 de janeiro de 2015

Tristan Tzara em Cascais 2



Prazeres de 2014

O nosso Jardim não se sente especialmente vocacionado para a redação de listas a glorificar os melhores do ano, um dos desportos favoritos de sítios online, jornais e revistas, mesmo que duas ou três semanas passadas já ninguém se recorde bem dos ditos inventários. Ainda assim, a natureza humana que recheia as espécies do Jardim impele-nos a preferências. Do ano terminado, para além de FKA Twigs, Andy Stott sintetiza bem o que mais prezamos na Pop: a irreverência sónica que se escusa a divagações egocêntricas, mas que não abdica do mistério.





sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

A parentela dos Wire 4



Tristan Tzara em Cascais 1

Há coisas irrepetíveis, porque são radicalmente filhas do seu tempo. Por exemplo, não se pode repetir Dada, pelo simples facto da Zurique do velho Cabaret Voltaire ter desaparecido, mesmo que as ruas e os edifícios sejam os mesmos de há 100 anos. No entanto, Dada deixou as suas sementes na cultura popular e em meados da década de 80, um punhado de cascalenses resolveu que a leitura dos textos de Tristan Tzara serviria de motivo inspirador. Nasciam assim os Mler Ife Dada e se é verdade que Dada não se repetiu, mais o é que a Pop lusa nunca foi tão espantosamente imprevisível. Como as velhas noites de Zurique.